sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Noite de Hotel


É noite na triste e melancólica sala de estar do Hotel O’Neil. Apesar das notas calmas que o rádio no centro da sala teima em sussurrar, o ambiente na sala não anima nem um pouco. Pudera, são 4 e meia da manhã numa noite de quarta-feira. Todos se encontram no sossego das suas camas, nos braços dos seus amantes, despreocupados, indefesos.
Um homem entra na sala, calmamente. O barman parece surpreso, pois àquela hora o bar sempre estivera praticamente abandonado. Olha para o homem, examina-o. Janota, boa roupa, sorri familiarmente quando ouve a música. Não parece bêbedo. Àquela hora era só o que faltava, pensa.

Mas não. O homem parece perfeitamente sóbrio, ciente do que está a fazer. Não quer arranjar confusão. Não àquela hora da noite. Apesar de tudo, diz entre dentes. Diz também que não quer mais nada além de um copo de uísque.

O barman, solidário, enche-lhe o copo.

À medida que bebe, o homem vai olhando discretamente para a entrada.
-Não é já um pouco tarde para um uísque, amigo? – começa o barman, de forma simpática, tentando descortinar a história por detrás daquele homem.

O homem solta um riso baixo e triste.
-É a estas horas de silêncio que gosto de beber. Ouço-me melhor a mim próprio. Durante o dia acabamos por estar tão distraídos com toda a confusão, barulho e falta de tempo, que chegamos a deixar um pouco de lado a nossa própria humanidade, o que nos faz únicos.

Tendo dito isto, o homem pede mais um copo de uísque. Já vai no quarto copo.

-Deveras. Mas a beber assim, daqui a pouco quem vai estar a ouvir os seus pensamentos serei eu… Um homem não bebe assim para pensar. Sou barman à tempo suficiente para reconhecer isso. Mulheres? - diz o barman de forma solidária.

-O que mais? - sorri o homem ao mesmo tempo que volta a olhar para a porta do hotel.
À espera.

Porquê? Porque ela poderia ainda vir. Despedir-se. Pessoalmente. Explicar.
O homem relembra tristemente o bilhete que lera à umas horas atrás. O bilhete que ela deixara em cima da cama. Fora a única coisa que deixara para trás. A camisola que ele lhe oferecera no primeiro aniversário deles. Os quadros nos quais eles pareciam felizes. O livro que eles tinham escrito juntos. Quando ainda estavam apaixonados.

Tudo tinha desaparecido.

No bilhete, por entre letras escrevinhadas à pressa, no fim podia ler-se:
“Já não te amo mais.”
Agora, o homem esperava na sala de hotel, esperançoso. Entre copos de uísque, esperava.
Talvez ela tenha mudado de ideias. Talvez ela volte.
Talvez.
Ela não apareceu. Nem as lágrimas dele a fizeram voltar.
Ao homem apenas restou o copo de uísque que ia continuamente esvaziando, e as amargas memórias que lhe queimavam o interior.

1 comentário:

  1. Eu já tinha saudades de ver textos da tua autoria. Quando me leste este texto, eu fiquei boquiaberta, porque adorei imenso e não sei se na altura te apercebeste disso.
    Continua ;)*
    Beijinhos*

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