quarta-feira, 7 de julho de 2010

Máscara

No silêncio de uma noite olho para ti. Apenas nós os dois restamos.
Aproxima-te de mim. Quero mostrar-me a ti.
Levo a mão à cara e tiro a máscara que me tapa.
Olho-te nos olhos.
Despido para ti.
Diz-me o que vês.
Toda a beleza e aberração, por baixo da minha pele.
Todo o sal seco pelas lágrimas que escorreram.
Todo o significado por trás da minha raiva e dos meus gritos de agonia.
Vê-me como sou.
Sem máscaras.
Sem barreiras.
Fraco e assustado.
Vê a minha loucura, olha-a nos olhos também.
Racionaliza a irracionalidade, irracionaliza a racionalidade.
E mesmo que não entendas o que tens perante ti, não recues.
Avança contra mim, sente-me a alma.
Abraça-me o espírito, o teu desconhecido.
Mergulhe em mim, sente o gelo do meu toque, arranca-me os medos, um por um.
Deixa-me em carne viva de preconceitos e fraquezas.
Maltrata-me, segura-me, puxa-me, magoa-me, sente-me, ama-me.
No fim de contas, és tu a dona da minha máscara.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Suicide

Cá em cima, no topo de tudo, consigo ver tudo, tudo se estende à minha frente e tudo o meu olhar alcança.
Adiante, as montanhas, a floresta, o mar.
Tudo o resto se mostra insignificante.
Fútil.
O vento chama-me e acaricia-me a face.
Quer que sejamos um, um único corpo, como devíamos ter sido desde o início.
Fecho os olhos.
Deixo-o sussurrar-me ao ouvido promessas de uma vida melhor, uma vida diferente.
Um final para tudo.
De repente, o precipício à minha frente nunca foi tão convidativo.
Sei-o. Sinto-o. Em mim, nas minhas entranhas.
Dou tímidos passos face ao desconhecido.
Face ao real, para o qual fui chamado, para o qual nasci.
As pequenas pedras sob os meus pés precipitam-se para o meu destino.
O vento dá-me a certeza que preciso, ele que sempre esteve lá para mim.
Respiro fundo. Deixo o meu corpo morto deixando apenas o meu instinto falar.
Tudo agora parece mais rápido, soluçante.
Pela primeira vez na vida vejo tudo à minha volta a passar a passar por mim. Vejo tudo. As cores. A vida que constitui tudo.
Sinto tudo passar-me pelo peito, pelos braços, pelas pernas.
Sinto o sangue a bombear pelas veias de forma desesperada.
Pela primeira vez na vida sinto-me vivo.
Sinto-me um com tudo.
Sinto todas as minhas memórias a queimar-me os olhos.
Sempre com o vento a acariciar-me, a sussurar: Está tudo bem, não tenhas medo.
Não há arrependimentos.
Nunca valeram a pena.
Decidido, fecho os olhos.
Apenas para me bater. Forte e seco.
O silêncio.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Black Eyed quê ???

"I've got a feeling" ou "I gotta felling". (I don't care.)
Eu não tenho nada contra a música... Ok, até tenho. Detesto a música que é considerada "do momento", que morre literalmente passado um ano ou dois. A música "a sério" dura décadas ou centenas de anos!!! Mai nada... Voltando ao assunto, já chateia estarmos a ser perseguidos pela música dos Black Eyed Peas...
Para onde quer que eu vá, o raio da música está em todo o lado...
É na rádio, é na televisão, é nos cafés e bares, é na rua, é na discoteca, é nas bocas do povo, é na selecção nacional(???)...
O que me chateia quase tanto quanto a música em si é que já nem posso falar de músicas com um nome parecido com a dos BEP que obtenho uma das duas seguintes reacções: "Ui, pelo nome deve ser fixe... Tem alguma coisa a ver com a dos BEP?" ou "Oh que carago... Tem alguma coisa a ver com a dos BEP?"
As músicas que esperançosamente posto aqui não são iguais à dita cuja, nem sequer são parecidas (e ainda bem), e pu-las aqui porque já estou a precisar de uma lufada de ar fresco e de boa música.
Gente, não sejam "típicos"... Não associem a música à banda ou ao nome...
Podem apanhar grandes surpresas (tanto positivas como negativas, naturalmente)....
(Especial destaque para a primeira, dos Beatles. MUITO boa. A segunda mostra o talento inegável de Bobby Mcferrin, tb igualmente boa... A terceira tb é "gira", embora não chegue perto dos gigantes que aparecem nos vídeos anteriores. Só para tentar mostrar que com o mesmo nome podem realmente aparecer resultados tão distintos.)

Enjoy





sábado, 13 de fevereiro de 2010

We're not alone, just lonely all of the time

As summer hangs on the horizon
Desire jumps the fence and hightails to the sea

A subtle tale turns into nightmares

Without the sentence structure
Nothing functions, no one has a clue

If it's me or if it's you

Was it me or was it you?
(Motion City Soundtrack)

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Noite de Hotel


É noite na triste e melancólica sala de estar do Hotel O’Neil. Apesar das notas calmas que o rádio no centro da sala teima em sussurrar, o ambiente na sala não anima nem um pouco. Pudera, são 4 e meia da manhã numa noite de quarta-feira. Todos se encontram no sossego das suas camas, nos braços dos seus amantes, despreocupados, indefesos.
Um homem entra na sala, calmamente. O barman parece surpreso, pois àquela hora o bar sempre estivera praticamente abandonado. Olha para o homem, examina-o. Janota, boa roupa, sorri familiarmente quando ouve a música. Não parece bêbedo. Àquela hora era só o que faltava, pensa.

Mas não. O homem parece perfeitamente sóbrio, ciente do que está a fazer. Não quer arranjar confusão. Não àquela hora da noite. Apesar de tudo, diz entre dentes. Diz também que não quer mais nada além de um copo de uísque.

O barman, solidário, enche-lhe o copo.

À medida que bebe, o homem vai olhando discretamente para a entrada.
-Não é já um pouco tarde para um uísque, amigo? – começa o barman, de forma simpática, tentando descortinar a história por detrás daquele homem.

O homem solta um riso baixo e triste.
-É a estas horas de silêncio que gosto de beber. Ouço-me melhor a mim próprio. Durante o dia acabamos por estar tão distraídos com toda a confusão, barulho e falta de tempo, que chegamos a deixar um pouco de lado a nossa própria humanidade, o que nos faz únicos.

Tendo dito isto, o homem pede mais um copo de uísque. Já vai no quarto copo.

-Deveras. Mas a beber assim, daqui a pouco quem vai estar a ouvir os seus pensamentos serei eu… Um homem não bebe assim para pensar. Sou barman à tempo suficiente para reconhecer isso. Mulheres? - diz o barman de forma solidária.

-O que mais? - sorri o homem ao mesmo tempo que volta a olhar para a porta do hotel.
À espera.

Porquê? Porque ela poderia ainda vir. Despedir-se. Pessoalmente. Explicar.
O homem relembra tristemente o bilhete que lera à umas horas atrás. O bilhete que ela deixara em cima da cama. Fora a única coisa que deixara para trás. A camisola que ele lhe oferecera no primeiro aniversário deles. Os quadros nos quais eles pareciam felizes. O livro que eles tinham escrito juntos. Quando ainda estavam apaixonados.

Tudo tinha desaparecido.

No bilhete, por entre letras escrevinhadas à pressa, no fim podia ler-se:
“Já não te amo mais.”
Agora, o homem esperava na sala de hotel, esperançoso. Entre copos de uísque, esperava.
Talvez ela tenha mudado de ideias. Talvez ela volte.
Talvez.
Ela não apareceu. Nem as lágrimas dele a fizeram voltar.
Ao homem apenas restou o copo de uísque que ia continuamente esvaziando, e as amargas memórias que lhe queimavam o interior.